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prosa e verso

muito do que temos a dizer

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A ausência

I  por Natália Fonseca

Quando abriram a porta, veio Farofa correndo, como sempre, receber a família, o rabo enorme indo de um lado a outro. Pulou em Juliana, puxou a camiseta de Lara, se entrelaçou nas pernas da Mãe, trouxe uma bolinha e deixou aos pés do Pai. E então voltou para a porta de entrada e esperou. Olhou para cada um deles, arranhou a porta e se manteve lá, sentada. O rabo balançando cada vez mais devagar, até parar.
 

Chegando na sala, Lara foi quase automaticamente até a caixa de Lego. Quando a abriu, deu de cara com o dinossauro montado a quatro mãos. Ele a ajudava com as peças bem pequenas. Ele amava dinossauros. Ele amava Lego. Ela amava brincar com ele. Sentiu os olhos ardendo, as mãos e os pés muito pesados. Depois do que pareceram horas, se levantou e foi procurar Juliana.
 

Juliana estava ao lado da escrivaninha, mexendo nos papeis e cadernos esparramados. Folheou o bloco de desenhos, as pinturas coloridas, as colagens desajeitadas. Naquele que tinha sido seu primeiro caderno de escola, as primeiras tentativas tímidas de escrita. Para sempre aquela seria sua letra. De tamanhos irregulares, um pouco tremida, saindo da linha, os tracinhos do E apontando para o outro lado. Sentiu que a vida toda apontava para o outro lado.
 

Ouviu a irmã mais nova chamando e foi ler um livro com ela.
 

Na cozinha, o Pai pensava no jantar. Abriu o armário e veio a lembrança do último aniversário de Martin, em que ele ganhou de um amigo o prato e o copo com seu nome escrito. O Pai sempre achou graça do tanto que ele tinha gostado daquele presente. Por semanas, não aceitou nenhuma outra louça! De olhos fechados, quase conseguia ouvir a voz do filho pedindo por favor, por favorzinho, a gente pode jantar pizza hoje?
 

A Mãe subiu para tomar banho e se deteve à entrada do quarto. Olhou a cama ainda desfeita, o pijama xadrez embolado com o lençol, a porta do guarda-roupa aberta, os carrinhos esparramados pelo chão, os desenhos grudados com fita adesiva nas paredes. Ela respirou fundo. Muitas vezes. Quis entrar. Não conseguiu. Teve a intenção de fechar a porta. Não conseguiu. Era tão definitivo. Ela achou que nunca mais conseguiria sair dali. Mas arrastou um pé. Depois o outro. Deixou a porta entreaberta e seguiu para o seu quarto.
 

Quando finalmente se sentaram para jantar, o pensamento de cada um era o mesmo: “como é mesmo que se faz para viver?”
 

Então se olharam. Se viram. Compartilharam a pizza, as lágrimas, as angústias daqueles últimos dias, a estranheza daquela ausência, todo aquele amor.
Era assim. Não era fácil, não seria logo, nunca seria completo. Mas seria juntos.

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