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universos femininos

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A economia do cuidado 

 I   por Graziela Honorato

“Aquele homem, pensou com raiva subindo dentro de si, nunca dava; aquele homem pegava. Ela, por outro lado, seria obrigada a dar. A sra. Ramsay havia dado. Dando, dando, dando, morrera – e deixara tudo isso.”


Em “O Farol”, de Virginia Woolf, a bela mulher que compunha a personagem da sra. Ramsay era também um “exemplo” de boa dona-de-casa, devota aos filhos e às suscetibilidades de um marido inseguro. 


E aparentemente seria feliz, - conquanto nenhum objeto estivesse fora do lugar -, na fantasia do microcosmo perfeito em que deveria acreditar: crianças bem alimentadas, mesa impecavelmente posta, móveis alinhados à estética da época.


Com a morte da heroína matriarca, vê-se a sutil decadência da residência dos Ramsay, em todos os seus componentes humanos: cônjuge, filhos, empregados. 


No pano de fundo, a figura de uma mulher por vezes oprimida no papel de gênero do cuidado do lar; equilibrando-se entre emoções que, de tão femininas, lhe seriam usurpadas; impossibilitada ainda de simples atos como avocar as próprias decisões, determinar rumos, ser reconhecida para além de uma obrigação social e, sobretudo, poder se cansar e até desistir. No caso da sra. Ramsay, ela não desistiria. Somente a morte lhe retirou o protagonismo.


E é assim também, na vida real. Mulheres a quem a sociedade normaliza a alcunha de “incansáveis” e “guerreiras”.


O tema da sobrecarga da mulher, evitado pela sociedade, veio a lume com a prova do ENEM 2023. Em uma abordagem para lá de concretista, a prova pedia a dissertação no seguinte tópico: “Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil”. 


Vejam que não se tratava de uma abordagem sobre a problemática da política internacional. Mesmo em plena guerra. Nem tampouco se queria saber do avanço tecnológico que possibilitou as incríveis fotos de uma galáxia distante, em navegação de satélite. Não. 


A questão cobrada voltava os olhos do candidato para o seu dia-a-dia. Para o próprio lar. Para o tecido invisível que rege toda a casa em um equilíbrio familiar de funcionalidades, afeto e até organização financeira.

Trata-se do trabalho diuturno de mães, domésticas, cuidadoras. Em sua maioria, mulheres. São elas que fazem a vida parecer um conto de fadas, daqueles em que, como no antigo seriado de “A Feiticeira”, torcia-se o nariz e se tinha a mesa posta, a roupa passada e a casa arrumada. 


Sem dúvida alguma, o trabalho de cuidado pode ser considerado um dos mais essenciais, e, como a liturgia de um ethos, compreende as tarefas diárias de cuidar das outras pessoas, cozinhar, lavar, arrumar a casa, buscar água e até lenha; atividades imprescindíveis, como relatou estudo da OXFAM (2020), tanto para o bem-estar das comunidades, como para a própria economia.


Nos cenários brasileiro e mundial, a responsabilidade não equânime por este tipo de trabalho é o principal fator de perpetuação das desigualdades de gênero e econômica, sobretudo quando as tarefas do cuidado seguem invisibilizadas e não valorizadas. 

 

Para Claudia Goldin, vencedora do prêmio Nobel da Economia em 2023, “nunca teremos igualdade de gênero no trabalho até que tenhamos equidade entre os casais”. Isto é, vinculando-se o trabalho reprodutivo à figura da mulher, os homens ficam mais livres para desempenharem seus papéis profissionais remunerados, fora da esfera doméstica. E a mulher, mesmo que trabalhe fora, não se vê dispensada das tarefas de cuidado que lhe são associadas, forçando-se a cumprir duplas ou triplas jornadas.


A pesquisa da Dra. Claudia Goldin analisou 200 anos de participação das mulheres no mercado de trabalho e demonstrou que, apesar do crescimento econômico, seus ganhos não se equiparam aos dos homens, mesmo para aquelas com maior nível de educação formal. Neste aspecto, o nascimento dos filhos exerce grande influência sobre a escala remuneratória, pela posição de destaque nas estatísticas das pessoas que deixam o emprego durante o primeiro ano do filho, nem sempre de forma voluntária.


O convite à reflexão da questão e às mudanças de comportamento se impõe, como o farol da obra de Virginia Woolf, e lança luz sobre um futuro que desconhecemos. 


Entendemos o fenômeno. Agora, provoquemos mudanças.

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Graziela Honorato

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