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prosa e verso

muito do que temos a dizer

Anos roubados

I  texto: Fernanda Baroni  
ilustração:
 Luana Baroni de Barros

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O sol quente não aparecia mais. Mesmo nas manhãs azuis, de temperaturas altas, dentro de casa era sempre sombrio e gelado. Rosa perdeu todo o seu perfume. Nos dias que vieram depois do Pior-dia-da-vida ela era apenas mais uma flor, como outras tantas que murcham quando lhe tiram o chão.

 

O coração economizava tictacs. O ar era sempre pesado. Pra não faltar, ela acordava, mas não saía. Levantava, mas não dançava. Comia, só quando doía.

 

Dentro, o tempo era mais lento que o do relógio. Alguns meses haviam passado desde que o sol se fora, mas, para Rosa, a lembrança do último raio parecia ter sido há dez anos-luz. O cinza que a tomava descoloriu tudo por fora.

 

Vez em quando lembrava de dias em que sua mãe fazia festa, mesmo sem aniversário. 

– Tem prova hoje?
– Não. Só aula.
– Aula precisada ou aula chata?
– Chata! Muito chata!
– Quer ver o pôr-do-sol na praia?
– Te amo!!!!

Outros, chorava ao achar um bilhete perdido na gaveta das bagunças.

Minha Frôzinha,

Passei no seu quarto, mas não quis te acordar.

Dormia tão linda... 
Hoje volto tarde, vou ver a tia. 
Vê se come direito. E tranca a porta.

Beijo, Mamis

Rosa sempre dizia que tinha sorte de ter uma mãe tão Mãe, mas a sorte acabou rápido demais. 

– Você precisa ir ver o médico pra saber o que está acontecendo, mamis.  Já já você está de volta.

Depois de alguns dias, com o pequeno corpo já inchado, a mãe aceitou ir.  

 

Uma dor, uns exames, um hospital, nenhum adeus.

 

O luto se estendeu doído. Num tempo que ninguém imaginou existir, em que o isolamento virou tem-que-ser, faltou colo pra Rosa. Um vírus tomou conta do mundo e as ruas ficaram vazias como seu coração.

 

Dentro de casa, cada parede guardava lembrança. Cada objeto, uma dor.

 

Depois de muitas noites sem sono, Rosa dormiu tranquila e sonhou com um campo cheinho de flores, muitas cores, tantos perfumes... lembrou da mãe dizendo que ia morrer com 93 anos, sentada no jardim, entre canteiros, borboletas e beija-flores.

 

Não tinha sido assim. O câncer lhe roubou vinte e três dos anos programados. No jardim que via de olhos abertos, nenhum beija-flor para confortar a Rosa murcha de saudade.

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Ilustração: Luana Baroni de Barros

Sou de tudo, um pouco. Absorvi a arte dos meus pais e da casa colorida que eles criaram pra minha irmã e eu crescermos, com música que sempre tocou alta e comida boa na mesa, nas tardes dos domingos. Gosto de cuidar dos outros, seja fazendo um prato delicioso, escrevendo uma canção ou colocando no papel as ideias que estavam apenas no pensamento.

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