prosa e verso
muito do que temos a dizer
Em silêncio
I por Girlene Bulhões
em silêncio
o útero de minha mãe me pariu
em silêncio
em silêncio
olharam-me entre as pernas
e disseram
mulher
ouvimos pausas
engolimos brasas
sofremos advérbios de negação
e criamos musgos para fertilizar pedras
desde então
muro pichado com xingamentos
vagaba, passada, arrogante, otária
magrela, gorda, fuleira, sonsa, raivosa, mandu
dispensamos quaisquer concessões
nós mesma nos dá permissão
aprendemos a ventar
segurar vendavais
relampejar mil relâmpagos
acender miles sóis
levantar maremotos
apagar labaredas
amar até esgarçar os lençóis
cavalas de memórias ancestrais
Geledés, Dandara, Kehinde, Felipa
Camarão, Tuíra e Moaras
recebemos o poder dos pássaros
nossa sombra mata
seguimos o rastro do sangue
que dá vida aos corpos
fertilizamos
ovo, arte, semente
em nossas barrigas
palavra, desejo, alimento
movimento ou ori
netas de cozinheiras, costureiras, faxineiras
arrumadeiras, lavadeiras e outras eiras
trazemos guizos nos tornozelos
patuás roçando a raiz dos cabelos
tatuagens e cicatrizes adornando
olhos, cóccix, ombros, púbis, pernas e peitos
mãos empunhando espelhos e cimitarras
como em Ana Maria Gonçalves
temos "poder muito grande
maior do que qualquer outro"
como em Cora Coralina
fazemos doces
removemos pedras
e plantamos flores
e escrevemos livros
e outros textos, intertextos e subtextos
em silêncio
Girlene Bulhões
Sou Girlene, Gil, Girloca e gIcA. Nascida e criada em Salvador-BA, moro há uns anos em Goiás-GO. Vivo lá e cá. Trabalho com memórias insubmissas, palavras e imagens. Escritos e colagens que transformo em cartografias que juntam sangue e poesia. Quase nada publicado fora da Academia. Filha de Oxum com Oxóssi, canceriana com Lua em Peixes e Mercúrio em Gêmeos, sou pura água e vento. @girlenechagasbulhoes