papo reto
diálogos com quem faz
Entrevista
Esmeraldina dos Santos, Negra Áurea
e Socorro Rocha I por Bárbara Anaissi
(re.sis.tên.ci.a) sf.
1. Ação ou resultado de resistir.
2. Capacidade de suportar a fadiga,
as doenças etc.
3. Qualidade do que resiste a uma ação externa.
5. Reação contra o agente de uma ação; obstáculo que uma coisa opõe a outra que atua sobre ela.
6. Fig. Embaraço, dificuldade, oposição, recusa feita aos desígnios e vontades de outrem.
7. Defesa própria do que luta contra os elementos externos; luta sustentada contra uma ação enérgica de força armada ou contra um ataque.
8. Força que anula os efeitos de uma ação destrutiva.
14. Imun. Imunidade natural de um organismo normal a agentes nocivos presentes no seu meio ambiente.
16. Teat. O ato de ir apagando ou acendendo gradualmente as luzes em cenários ou plateias de salas de espetáculo (teatro, cinema, concerto etc.). 17. Cap. Movimento defensivo em que capoeirista se abaixa, apoiando uma das mãos no chão e resguardando a cabeça com a outra.
Palavra: Território Resistência
É resistindo pela palavra que Esmeraldina dos Santos, Negra Áurea e Socorro Rocha existem. No Quilombo do Curiaú, nos palcos literários, na sala de leitura de uma escola pública.
A Letra Miúda pisou o chão do Curiaú para ouvir essas mulheres que existem pela palavra escrita, lida, cantada. Palavra dita em alta voz. Palavra gritada. Palavra que resiste, suporta, não se dobra, luta, acende e apaga ideias, defende e resguarda.
A conversa ao pé do cajueiro foi uma comemoração da entrega para o Grupo Ediouro de Cartas de aquilombamento, escrevivência de Esmeraldina dos Santos, pedagoga, escritora e artis-ta quilombola, com a força da tradição oral, que é seu jeito de estar no mundo. Nascida em Macapá, ela é guardiã da cultu-ra amapaense e do Quilombo do Curiaú, onde vive, e referên-cia na literatura infantil de seu estado. Viaja o país com apre-sentações de Marabaixo e Batuque e contação de histórias. Voltou a estudar aos 53 anos e hoje, aos 70, faz mestrado em Educação, Culturas e Diversidades, na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
Negra Áurea escreveu a apresentação do livro. É pedagoga, professora e cordelista, paraense, que escolheu Macapá para viver há 29 anos e movimenta a cena literária e cultural e a luta étnico-racial da cidade.
Socorro Rocha fez a consultoria técnica da obra. É pedagoga e professora da rede pública de ensino de Macapá, responsável pela Sala de Leitura, onde atua com projetos interdisciplinares. Nascida e criada na região, é filha de Mariza, pajé da comunidade ribeirinha de Areal de Matapi.
Conversar com essas mulheres é mais do que ouvir o Norte; é ouvir o tempo. Como disse Esmeraldina ao final da entrevista: “Esse é o nosso caminho. Zumbi dos Palmares, Dandara começa-ram a colocar os pilares. Nós estamos colocando os alicerces, as vigas. Estamos começando a puxar o nosso povo, uma por uma. E vamos continuar assim.”

Foto: Eduardo Mendoza
Esmeraldina dos Santos @escritora_esmeraldina_of
Socorro Rocha — @socorro.rocha.351
Negra Áurea — @negraurea
Quilombo do Curiaú — @quilombodocuriau


Negra Áurea, Esmeraldina dos Santos e Socorro Rocha: mulheres negras do Amapá, do território da palavra.
Pensando que todas as vivências da gente são território para a literatura, o que se pode dizer do território literário amapaense, do território quilombola?
ES: O meu território literário estava meio apagado… Sempre tem quem diz: “Deixa pra lá, não vale a pena.” E eu sempre dizia que meu trabalho é diferente, é ba-seado em minha vivência. O que eu sei, de Marabaixo, de Batuque, eu aprendi com minha mãe, com minha avó. Por que só valorizam quando vem de fora pra dentro? O que eu quero é mostrar nossa cultura ao nosso povo, valorizar nosso Marabaixo. Já disseram muito que eu só servia pra contar história, e hoje eu estou contando história pro Brasil e pro mundo. E hoje eu acredito muito nesse meu trabalho. E é nisso que eu tenho que acreditar.
NA: Eu vejo uma riqueza sem igual. E que essa riqueza precisa ser vista lá fora. Essa literatura precisa sair da-qui. É uma das situações que muito me angustia. São substâncias desses territórios que têm que expandir, têm que ir para outro lugar. E quem mais escreve por aqui é a mulherada, uma impulsiona a outra. O que eu observo é que tem o que publicar, o que falta é a motivação para quem escreve, o incentivo financei-ro, que é primordial. E ter outros se interessando por essa literatura amapaense. A literatura amapaense é muito rica. Digo como filha paraense, que mora aqui há 29 anos. Quando eu coloquei o meu pé no Amapá, a questão étnico-racial veio muito forte, e ela é tão pujante aqui, dentro do estado, que isso reflete nas nossas literaturas. Se você pegar um livro amapaen-se, você vai ver realmente a vivência do povo, vai ver a escrevivência. Aqui é um celeiro literário. O que falta é isso, é essa literatura chegar mais além. Dentro da Amazônia, é muito difícil.
SR: Aqui existe uma barreira. Não há um incentivo para os autores. Alguns têm uma abertura muito grande dentro da Secretaria de Cultura, mas a maioria mesmo tem que custear tudo do seu próprio bolso. E é difícil você fazer investimento, e, se não há uma divulgação desse material, fica mais difícil ainda ter o retorno. Aca-ba desestimulando um pouquinho. Esse celeiro aqui é muito fechado ainda. Mas eu acho que devagar está se mudando isso com as mulheres, com uma puxando a outra. Isso é bem fortalecedor, é estimulante para quem está começando a escrever. Devagar, a gente vai se fortalecendo e criando coragem, criando cora-gem para colocar essas histórias. A Dona Esmeraldina vai abrir um monte de portas agora.
Quando lançou seu primeiro livro, Histórias do meu povo, Dona Esmeraldina, a senhora não havia retomado os estudos. O que conta da sua vida agora nesse livro que acabou de escrever já é muito diferente. O que significa pra senhora colocar essas cartas para o país todo, chegando a escolas de todo o Brasil?
ES: Com a minha volta à sala de aula, hoje eu sou ou-tra Esmeraldina. Com a Educação, não importa que você seja preta, quilombola, não importa que você seja mãe solo, você tem capacidade de ir aonde qui-ser e falar, acreditar na sua fala.
O sonho de cada uma de nós, mulheres quilombolas pretas, é jamais pensar que não pode estar em tal lu-gar. Quando você chega, que você entende que está ali, você tira as correntes da escravidão e se mostra. E esse livro chegar em todo o Brasil é uma satisfa-ção muito grande. Um dia eu sonhava… eu queria que meus livros chegassem nas comunidades quilombo-las, queria que meus livros chegassem nas escolas. E hoje ver meu trabalho, minha história chegar nes-sas comunidades, minha história chegar em todo o Brasil, eu me sinto muito feliz. E mais ainda em ter a Negra Áurea e a Socorro, porque são mulheres que me fortalecem.
Que território é esse que Esmeraldina ocupa hoje?
NA: Foi muito tempo de silenciamento para essas mulheres. Muito tempo pensando: “Será que o que eu estou escrevendo é válido?”. É isso que Esmeraldina coloca, a possibilidade da mulher dizer, da mulher falar. E quando eu vejo nossa matriarca literária nessa nova aventura, nesse desdobramento, dá uma força… Ela diz que nós somos a força dela, na verdade ela é força para nós. Nesse livro vai estar a fala de uma mulher genuinamente quilombola. A fala de uma mulher que vai falar do seu território, a partir de seu território, a partir da escrevivência de vida que ela tem. Muitos falaram por nós, muitos escreveram nossa história, mas agora a gente vê personificada aqui a Esmeraldina, a mulher que vai dividir com o mundo a partir do seu quilombo. Olha a força que tem o quilombo falando, o quilombo falando através de uma mulher negra, de uma mulher de chão, que tem os pés firmes… Isso tem uma significância imensa.
SR: O que eu fico feliz é ver a resistência dessa mulher de voltar a estudar depois dos 50 anos. É ser mui-to persistente em seu objetivo. Esse livro leva a gente pra dentro do quilombo, pra resistência cotidiana que é viver no quilombo. É um livro que conta a realidade de um povo. E eu acho que quem está fora daqui e vai conhecer essa realidade, vai ter um olhar diferente. É um relato muito real do que é viver nesse lugar e nós ainda estamos muito escondidos por aqui. Mas, quando as nossas histórias saem daqui, despertam para as pessoas que vivem em outros lugares uma sensibilidade maior para quem vive no Norte.
NA: Existe uma conexão e eu sempre observo como é difícil as mulheres do Norte se destacarem. Quando eu estou diante de um projeto como esse, eu me sinto maravilhada, porque uma de nós está chegando ali e não está chegando só, está levando outras, segurando na mão. Quando uma sobe, dá a mão pra outra, é nisso que eu acredito. É muito potente o território que Esmeraldina está ocupando nesse momento.

Foto: Eduardo Mendoza
Em novembro de 2024, D. Esmeraldina contou suas histórias de vida e levou o marabaixo para o palco do Centro Cultural Banco do Brasil - RJ, como parte do projeto Quilombo Groove


