papo reto
diálogos com quem faz
Entrevista
José Eduardo Agualusa I por Anna Claudia Ramos
Entre 2008 e 2012, o projeto Leitura em Debate trouxe diversos convidados do Brasil e do exterior para conversar sobre temas ligados à literatura e à mediação de leitura, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Desde o início, eu e a Verônica Lessa fazíamos a curadoria e eu era a mediadora, além de ter realizado algumas edições em Feiras do Livro.
Com muita alegria retomamos o projeto em agosto deste ano no mesmo formato. O escritor José Eduardo Agualusa e a professora, pesquisadora e ensaísta Eliana Yunes foram os convidados dessa primeira edição. Já conheço Agualusa e Eliana de longa data e foi uma honra e uma alegria imensa mediá-los. Estar com os dois debatendo QUAL A RELAÇÃO ENTRE OS AUTORES, OS MEDIADORES DE LEITURA E OS LEITORES é garantia de conversa boa e gostosa.
Agualusa estava lá na Ilha de Moçambique, mas que bom que a tecnologia hoje permite esses encontros híbridos. Eu e Eliana estávamos na BN E tinham pessoas assistindo online e presencialmente.
Uma das características do Leitura em Debate é que é um encontro com pessoas que têm conhecimento do assunto que será debatido. É uma troca afetuosa, uma conversa solta, que vai sendo costurada a partir da provocação inicial ou das demais questões que vão surgindo. Quem assiste diz que não sente o tempo passar. Isso é bom demais!
Vamos juntos, colocando os assuntos que giram em torno da Literatura Infantil e Juvenil no centro do debate.

Abaixo você lê uma parte da conversa com Agualusa e, em breve, a gente volta aqui com um papo reto com a Eliana Yunes também.
O programa ficou gravado.
Quem quiser assistir, basta acessar

ACR: Como foi a sua descoberta de ser um escritor? Quando aconteceu? Você chegou a pensar “Eu quero escrever/quero publicar”?
Agualusa: Comecei a escrever na faculdade. Estudava Agronomia em Lisboa e, a uma certa altura, comecei a publicar contos e alguns poemas no jornal português Diário de Notícias, que tinha um suplemento para jovens em que as pessoas podiam enviar textos. Comecei a publicar contos e alguns poemas nessa época e lembro bem da emoção que foi publicar esses primeiros textos. Muitos escritores começaram a publicar nesse jornal também. Depois escrevi um romance, de forma muito rápida. Por mero acaso, encontrei um conjunto de jornais angolanos do século XIX na Biblioteca Nacional de Lisboa e mergulhei na leitura dos quase 80 volumes. Era como se estivesse dentro de uma telenovela. A cidade de Luanda no século XIX era pequena e aqueles jornais davam conta dos personagens e de todas as intrigas da cidade. Quando me dei conta já tinha a linguagem, a voz que eu queria, e um fio do enredo do romance. Escrevi A Conjura num estado de paixão absurda. Não tinha planejado isso, aconteceu.
ACR: Quando você escreve, pensa que vai ter um leitor na outra ponta ou escreve o que gostaria de ler?
Agualusa: Acho que um escritor não escreve para ninguém em particular. Escreve respondendo a uma inquietação. Até hoje começo a escrever um livro com a mesma paixão, a mesma insegurança e medo que comecei o primeiro. Não mudou rigorosamente nada. É um processo de encantamento, de deslumbramento, de ir à procura do espanto. Você tem que ter paixão para começar a escrever e tem que ter alguma disciplina para conseguir terminar o livro. Mas a insegurança também não desaparece nunca. Sempre tem um momento de desalento em que a gente pensa: “Por que estou escrevendo? Por que isso interessaria alguém?“ A única diferença é que agora eu sei que a sensação de insegurança passa e depois o processo de paixão volta novamente. Escrevo para saber o que vai acontecer a seguir. Adoro aquele momento em que as histórias começam a se amarrar umas às outras e que tudo começa a fazer sentido. Com franqueza, escrever tem me ajudado a compreender a mim mesmo, o outro e o mundo a minha volta. Essa coisa da escrita como terapia, para mim, tem funcionado sempre. Acho que não seria a mesma pessoa, sob qualquer ponto de vista, se não tivesse começado a escrever mais seriamente.
ACR: Conta um pouco sobre o seu processo criativo. Como você imagina o seu livro sendo lido?
Agualusa: Cada livro chega de uma forma nova. Cada um com uma história diferente. É verdade que muitas vezes me aconteceu de sonhar com um enredo, às vezes com um personagem e, depois, a história vai se consolidando à volta desse personagem. Para mim, é importante que o livro responda a uma inquietação interior. E eu acho que os livros só existem a partir do momento que começam a ser lidos. E começam a ter várias existências. Eu só consigo falar sobre meus livros depois de ouvir os leitores. Obviamente, cada história é lida de uma maneira diferente, dependendo do leitor que a lê. Duas pessoas não leem o mesmo livro, porque o livro acontece dentro de cada um de nós. Nenhum de nós imagina os personagens da mesma maneira e também as leituras que fazemos são diversas. Essa multiplicidade de leituras é o que é mais interessante na literatura para mim.

José Eduardo Agualusa
nasceu na cidade do Huambo em 1960. Viveu em Luanda, em Lisboa, em Olinda, no Rio de Janeiro e em Berlim. Nos últimos anos passa mais tempo numa pequena ilha-cidade moçambicana, assente sobre corais, a Ilha de Moçambique, ou Muhipiti, onde escreve, fotografa, nada, dança (mal) e cria uma filha chamada Kianda, de sete anos. Tem outros dois filhos: uma menina de 21 anos, Vera, e um rapaz de 27, Carlos. Publicou 16 romances, além de diversos livros de contos e de crónicas, livros para crianças, poesia e reportagem. Os seus livros estão traduzidos em mais de 30 idiomas e foram publicados em mais de 40 países. “Teoria Geral do Esquecimento”, conquistou o International Dublin Literary Award, em 2017, e foi um dos finalistas do Man Booker International Prize, nesse mesmo ano. “O Vendedor de Passados” ganhou o Independent Foreign Fiction Prize, em 2007. Recebeu também o Prémio Nacional de Cultura, de Angola. @agualusa
