compartilhando
leituras e afetos
O Livro sem Figuras
B.J. Novak
Editora Intrínseca
Ler para ver: uma experiência de mediação
de um livro sem figuras
I por Cristina Ferreira
- Ué, não vai dar para ver nada...
Uma voz miúda se levanta diante da minha pergunta: Mas o que será que a gente vai conseguir ver num livro sem figuras?
A mediação de O livro sem figuras, de B. J. Novak, da Editora Intrínseca - começou muito antes do meu encontro com as crianças e suas famílias para uma manhã literária na escola. Na verdade, foi no meu primeiro contato com o livro que eu senti que essa mediação de leitura iria muito além do ler com/para o grupo – seria preciso inter-agir com o texto e dar novos sentidos para a narrativa que ele (des)constrói.
O livro de Novak é um convite ao deslocamento do leitor que, para além de ler, passa a “conversar” com o livro e fazer tudo o que ele manda – eu juro que é assim! A leitura se faz numa via de mão dupla – o texto depende de ações leitoras (e algum talento musical também, é preciso dizer!) para que as suas muitas camadas possam ser acessadas.
O livro parte daquela ideia muito comum entre crianças e sim, de muitos adultos, que o livro para a infância TEM que ter ilustrações. Como se para acessar o universo infantil através de um livro fosse sempre necessário o texto vir acompanhado de imagens.
É claro que durante a mediação de vários livros com ilustrações é muito comum ouvir as crianças perguntando “Tia, cadê? Tia, onde está?” referindo-se a algum personagem ou passagem da narrativa que eles esperam ver retratados. Sim, as crianças buscam pelas imagens e aí está a importância de se pensar na ilustração não como “retrato” do texto escrito, mas como a possibilidade de ver o que nem sempre o texto nos diz... mas isso é papo para outra coluna!
O - nosso - livro sem figuras já começa desafiando o leitor ao afirmar que ele pode até “achar que um livro sem figuras não vai ter graça nenhuma” mas estabelece (sem negociação!) um combinado com ele: “a pessoa que está lendo é obrigada a dizer tudinho que está escrito no livro.”
E aí, foi que me veio a ideia de trazer as famílias para lerem o livro junto comigo. Para as crianças, foi uma grande surpresa pois nenhuma delas esperava ver o adulto que a acompanhava naquele momento lendo o livro comigo. E o mais insólito: lendo coisas como “Eu sou um tamanduá robô e a minha cabeça é feita de pizza de goiaba.”
Hã? É isso mesmo que você acabou de ler. E não para por aí!
Cantorias engraçadas, afirmações esdrúxulas, palavras desencontradas, a cada página eu ia chamando um adulto da roda e era só começar a leitura para as gargalhadas se espalharem pelo salão. E não adiantava protestar, esse livro bobo, ridículo, e sem figuras, imagina... não deixa a gente parar de ler. Ou será que é a gente que não consegue?
Ao final da mediação, depois de nos recuperarmos de tanto rir, eu voltei com a pergunta: “E então, o que a gente conseguiu ver nesse livro sem figuras?”
Todas as crianças queriam falar ao mesmo tempo...
- O tamanduá com cara de pizza de goiaba!
- O Bum bum zinho! (para saber quem é, só lendo o livro porque isso eu não conto!)
E a mais bonita (e confesso, inesperada) das respostas:
-Eu vi que eu sou a criança mais legal que já existiu! – e ouviu-se aquele coro: ahhhhhh...
Pois é, um livro como esse é para ler e reler e brincar e rir e re-criar novas ideias. Mesmo sendo um livro MEFISTOFÉLICO.
TOING.