top of page

papo reto

diálogos com quem faz

Entrevista 

Anna Claudia Ramos  I  por Fernanda Baroni

Literatura Infantil não é historinha

O valor estético de uma obra literária é igualmente importante, independente do público a que se destina. E Anna Claudia Ramos sabe bem disso. Este ano, a autora carioca completa 30 anos de carreira e os mais de 90 livros publicados provam que ela fala com a mesma desenvoltura para os públicos infantil, juvenil e adulto, ainda que os pequenos leitores tenham sido sempre seu maior foco.

 

Segundo Anna, fazer literatura é aprender as técnicas narrativas, ter domínio sobre a escrita, o espaço, o tempo, o narrador, os personagens.

“A especificidade da literatura infantil é que a conversa é com a criança. Se o texto é bom, vai comunicar com qualquer pessoa, mas se você quer conectar com a criança, tem que falar diretamente com ela. O que muda é a abordagem. Não se pode perder de vista quem é o leitor. Uma criança de cinco, seis anos está muito mais no mundo imaginário do que no real.”

 

Professora de Oficinas Literárias, desde as primeiras aulas Anna deixa claro para seus alunos que deve existir esse contrato de comunicação entre quem escreve e quem lê, e isso vai guiar o tom de voz e o trabalho do escritor com as palavras. Mas a idade do leitor não define os temas que podem ou não ser abordados nos textos. “Não entendo essa mania de acharem que literatura infantil tem que ser fofinha, porque é ‘historinha para crianças’. Também podemos trazer temas delicados, de uma forma que toca a criança, mas sem querer ficar ensinando nada”, diz.

 

E ela fala isso com propriedade. Muitas de suas histórias abordam medo, autoconhecimento, morte, sexualidade, separação, diversidade de gênero e de famílias, pessoas com deficiência, entre muitos outros assuntos considerados “difíceis” de emplacar no mercado. “Os livros mais barrados em escolas e programas de governo ainda são os que falam de sexo ou diversidade sexual. Sabemos que é uma hipocrisia. Estamos em 2023 e em 1999 eu já escrevia sobre isso. Mas eu não vou fechar com hipocrisia. Sempre vou escolher escrever sobre o que acho necessário, porque a criança vive coisas sensíveis todos os dias.”

 

Nessa entrevista, Anna Cláudia conta sobre sua escolha por se posicionar e reforça que escrever para crianças e jovens não tem nada de fácil. Então, da próxima vez que ouvir alguém se referir à LIJ de forma pejorativa, faz coro com a gente e diz: Literatura Infantil não é historinha.

anna_créditooctaciliobarbosa-26.jpeg

Foto: Octacílio Barbosa

Anna sempre foi uma menina

inventadeira. Aos 10 anos, depois de ler A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, “descobriu” que, assim como Raquel,

queria ser escritora. Além de escrever, é professora de Oficinas Literárias e viaja

mundo afora dando palestras sobre sua experiência com escrita, leitura e bibliotecas comunitárias.

@annaclaudiaramosescritora 

http://annaclaudiaramos.com.br/

Você dá aulas em oficinas literárias há 33 anos. Acredita que existe alguma receita para fazer literatura de boa qualidade?

 

Não gosto de receita. Até porque receitas podem desandar. Em primeiro lugar, o escritor tem que saber escrever e conseguir se comunicar com o seu público. Ainda que haja estudos sérios sobre formatos específicos, não acredito em uma fórmula, um número certo de páginas que vai funcionar para determinada idade. O que faz sentido para mim é a busca individual de cada autor para encontrar sua história, seu tom, sua voz e o caminho que quer trilhar na literatura. Não existe certo ou errado, mas sempre pergunto aos meus alunos que tipo de escritor querem ser. Se querem deixar um legado ou falar sobre os temas da moda. Isso define os próximos passos.


Existe um universo especial nas histórias infantis?

 

Ainda existem pessoas que querem fazer livros didáticos moralizantes (e tem mercado pra isso!). Mas, a meu ver, as temáticas são da vida e as crianças estão inseridas em tudo. Na pandemia, por exemplo, as crianças viram a morte de perto, seja na família, na vizinhança ou na tv. Elas sentiam que as coisas não estavam bem e não falar sobre isso não fez com que elas deixassem de viver a situação. Nossa responsabilidade – enquanto artistas da palavra, educadores, mães, pais – é trazer essas discussões para dentro da literatura, porque isso ajuda, muitas vezes, a elaborar o que está mal entendido. Muitas famílias têm vergonha ou medo de conversar sobre problemas com as crianças. E a literatura é uma porta aberta para falar sobre esses temas nas escolas, quando não existe essa abertura em casa.


Então você acredita que a Literatura pode ajudar a mudar a realidade de uma criança ou adolescente?

 

Sim, obviamente. Se os adultos se transformam ao ler um livro, as crianças e os jovens também. O livro é capaz de mexer com as emoções. A questão é que, muitas vezes, na escola, o livro vira dever de casa, obrigação. Quantas escolas oferecem o livro como um momento de leitura, lúdico, prazeroso, sem nenhuma “função”? Livro é plataforma de voo para projetos literários criativos, para deixar as crianças terem vez e voz. A literatura não serve para ensinar, mas ela educa, porque muda o olhar, amplia conhecimento e faz pensar na vida.


Ler precisa ser um exercício fácil? É possível/necessário abordar temas mais sensíveis com o público infanto-juvenil?

 

A vida da criança não é fácil. Todo mundo tem medo, insegurança, timidez. Então eu acho que a gente tem que escrever sobre os assuntos da vida, mesmo que sensíveis e delicados. A criança precisa ser respeitada em sua completude. Sempre quis fazer histórias que pudessem sobreviver ao tempo, que falassem de humanidade.

Esses livros têm espaço no mercado editorial?

 

Existem editoras que também estão aí para se posicionar. Mas é fato que alguns temas continuam a ser “barrados” nas escolas (que ainda é o espaço para se atingir mais leitores). Acho que a gente precisa escrever sobre o que acredita. Talvez aquele livro não entre em uma escola, mas entre em outra e chegue na mão de leitores que vão ter sua vida modificada pela história.

Se a gente deixa de falar sobre o que nos toca, deixamos de ser o artista que queremos ser.


Se pudesse dar um conselho a quem está começando a escrever para crianças e jovens, o que seria?

 

Leia, leia, leia. Estude sobre estruturas narrativas, infâncias, psicologia infantil e não tenha pressa. A arte não pede pressa. Pede tempo de maturação. Quando a gente aprende a se comunicar com a criança, com o jovem e com o adulto consegue se sentir à vontade em qualquer nicho. Eu escrevo para a infância e a juventude com muita honra, porque quero trazer esse respeito que tenho pelas crianças e jovens nos meus livros. Hoje também escrevo para adultos, mas as histórias para crianças continuam sendo uma parte fundamental do meu trabalho. Não é falta de opção, como muita gente acha que a Literatura Infantil e Juvenil costuma ser. Começar minha carreira escrevendo para crianças e jovens foi uma escolha.

Captura de Tela 2023-10-17 às 23.58.03.png
Captura de Tela 2023-10-17 às 23.58.10.png
Captura de Tela 2023-10-17 às 23.58.25.png

Caçadores de lobo mau
Texto: Anna Claudia Ramos Ilust.: Vanessa Prezoto Leiturinha - 2020

A bisa e as botas de dinossauro
Texto: Anna Claudia Ramos
Ilust.: Bruna Barros
Editora do Brasil - 2021

A história de Clarice
Texto: Anna Claudia Ramos
Ilust.:Ana Raquel
Capa e projeto gráfico: Tatiana Sperhacke
Editora Projeto - 2009

Captura de Tela 2023-11-02 às 10.33.11.png
bottom of page