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cata vento

diários e imensidões

Ilustração: Nicole Cardoso

Mãe guerreira é nome bonito 

para mãe sobrecarregada 

I   por Raquel Cesário

Foi rápido. Essas coisas chegam sem aviso.
De repente eu não sentia o lado direito do meu rosto.
A primeira coisa que pensei foi: não posso morrer agora! Quero ver minha filha crescer!
E antes de correr para a emergência, precisei encontrar alguém que ficasse com ela.

O que era pra ser resolvido, supostamente, em uma tarde, com remédio, durou três longos dias de internação, a custo de exames e muita preocupação com coisas que não poderia resolver. A ajuda veio de uma rede de apoio, que eu nem sabia que tinha!, e formou-se quase instantaneamente.

Ficar internada me obrigou a olhar para a minha vida, para as cobranças, principalmente as autocobranças. E foi, a partir daí, que constatei não ser polvo, malabarista, nem milagreira, por mais que eu acreditasse que sim.

Se no início do ano minha pergunta era: “como darei conta de tudo?”, hoje, a resposta veio a galope: não darei. Não por incompetência. Muito longe disso. As mulheres se cobram por coisas que, dificilmente, os homens se cobram. Não é à toa que a gente ouve muito mais se falar em “síndrome da impostora” do que em "síndrome do impostor".

Ajustamos horários, preparamos comida para a semana, trabalhamos, estudamos à noite.

Nas horinhas que cabem, brincamos.
E ainda sobra espaço para culpa. Essa (maldita?!) culpa que carregamos como um acessório. Um acessório pesado! Nunca um pingente. Muito mais como uma corrente.

Muito malabarismo para poucas mãos.
Muitas demandas para uma única pessoa.

Muita mulher-mãe se vira nos 30.

Abdica da vida social quando tem um recém-nascido.
Abre mão das noitadas para colocar a criança na cama.
Desiste de almoçar sanduíche para ensinar a comer saudável.
Desliga a televisão para dar o exemplo.

Quando se é mãe, os planos não devem morrer. É preciso traçar uma nova rota.
Não necessariamente mudar o rumo, mas mudar o caminho para chegar lá.
Talvez existam mais paradas. Mais desvios. Muito mais obstáculos.
Precisamos priorizar o que realmente importa.
Desequilibrar a balança, porque engana-se quem acredita que equilíbrio é simetria. Muitas vezes ele consiste em quebrar pratos, colocar alguns no chão e carregar o que cabe na mão.

E longe de mim enaltecer a “mãe guerreira”. Vocês sabem, né? Mãe guerreira é o nome bonito para a mãe sobrecarregada.
Nossa vida não deveria ser um número circense, onde, muitas vezes, somos malabaristas e palhaças.

Eu admiro a mãe que mergulhou fundo na maternidade, mas não afundou com ela. E me solidarizo com as que estão com suas bússolas desajustadas, procurando uma direção e apoio.

Maternar nunca deveria ser um show de malabarismo, onde um polvo, e somente ele, se sairia bem. Nem deveria ser uma âncora, cuja única função é ser enterrada no fundo do mar.

Maternar deveria ser como guiar um submarino, que desce profundamente, mas emerge na hora certa. Antes que o oxigênio acabe.

Emergir e conseguir respirar profundamente.
Se alegrar com as primeiras palavras e também com os primeiros contratos.
Vibrar com os primeiros passos e também com uma maratona.
Satisfazer-se com a hora da leitura e também com um trabalho.
Alegrar-se em acompanhar a tarefa de casa e também com a apresentação de um seminário.

O meu corpo não aguentou tanta (auto)cobrança e demanda.
Eu derrubei (e sigo derrubando!) muito aro, quebrando muito prato, abdicando de muita coisa, mas percebi que o oxigênio estava acabando e eu precisava emergir antes de me afogar.

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Sou pedagoga, acadêmica de Fonoaudiologia e mãe de uma criança que gagueja.  Por ela, me tornei autora de livros infantis. Sou também admiradora confessa do céu e das baleias. O que não sou é mulher de raízes, e, sim, de asas. Asas próprias.

Escrevo no Instagram @raquel_cesarioo. Vai ser muito legal te receber por lá.

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ilustração: Nicole Cardoso

Sou formada em Letras e pós-graduada em Literatura Infantil e Juvenil pela UFRJ. Mãe de um adolescente, pesquiso, reviso, ilustro, produzo e, se deixar, falo de livros ilustrados o tempo todo. Levemente obcecada por temas fraturantes na literatura infantil. E por gatos.(@_niccardoso)

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