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isto e aquilo

um olhar poético

No silêncio há um tanto que se fala 

I   Texto: Viviane Lucas
      Ilustração: Ina Gouveia

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Um dia desses, alguém me perguntou sobre a minha profissão e eu respondi: escritora. Me surpreendi com aquela palavra que, tão prontamente, saiu de dentro de mim. Finalmente, o novo ofício havia se incorporado à minha biografia.

Confesso que me apresentar como psicóloga e professora sempre foi mais fácil. Por muitas vezes, apenas respondi: eu escrevo. Naquele dia, virei a chave.

 

Ser escritora não estava nos meus planos de adolescente, embora sempre tenha sido uma apaixonada pelas palavras. O encantamento se deu na infância, quando me deparei com a poesia de uma mulher escritora: Cecília Meireles.

Os bonitos desvios da vida me levaram, anos depois, a esse ofício. Ou, talvez, eu mesma tenha ido ao encontro dele.

O fato é que, ao longo da História, a Literatura não foi um universo acessível às mulheres. Muitas escreveram textos literários e científicos e foram ignoradas, rejeitadas, esquecidas. A própria Academia Brasileira de Letras levou oitenta anos, desde a sua fundação em 1897, para aceitar uma mulher entre os imortais, a escritora Rachel de Queiroz.

Para a sociedade conservadora da época, às mulheres não cabia o protagonismo, o desejo, a voz...

O preconceito e a desconfiança com a escrita delas sempre pairou no meio literário. Era preciso constantemente provar sua excelência ao mundo.

Silenciando desejos e sonhos, esse conceito construído através de gerações, de que a Literatura não era para mulheres, entranhou-se em muitas de nós como uma mensagem subliminar. Ser escritora era uma ideia distante, uma aspiração para intelectuais, na sua maioria, homens.

“Esse não é um lugar para mulheres” era a ideia geral. Acreditamos. Como também acreditamos em tantos padrões que nos impuseram ao longo dos tempos. Os dedos apontados e olhos atravessados ainda nos julgam com frequência e a lista dos “não fica bem” é extensa: não fica bem escrever isso, usar essa roupa, sair sozinha, se relacionar com homens mais novos, não querer casar, optar por não ter filhos... são muitas as cobranças. Para as mulheres com mais de cinquenta anos a lista é infinita… Uma verdadeira tirania que nos impõe um modelo desatualizado e irreal.

Não por acaso, frequentemente ouço de muitas mulheres que elas amam escrever, mas não conseguem começar. Ou escrevem, mas não têm coragem de expor ou publicar seus textos. Ainda que o cenário literário atual conte com escritoras brilhantes, reconhecidas e premiadas, o silenciamento histórico das mulheres deixou rastros. É sutil, mas violento.

O que ainda nos silencia? O que limita a nossa voz? O olhar do outro? O nosso próprio olhar? Um passado que ainda nos veste?

 

Lembro-me do mito greco-romano da ninfa Eco, conhecida por seu poder de fala. Castigada por Hera, perdeu justamente sua liberdade de expressão. Eco só poderia repetir as últimas palavras do que lhe era dito. Tinha voz, mas não a autonomia de falar e calar quando quisesse.

O silenciamento, como no mito de Eco, tira a possibilidade de opinar, interpretar e decidir por si. Ter voz, mas apenas repetir ecos.

No entanto, no silêncio há um tanto que se fala...

Ainda que sem palavras, os ruídos do silêncio encontram brechas, muitas vezes como um pedido de socorro, nas somatizações, nos sonhos e em outros sintomas pelos quais o inconsciente se mostra.

Para Natália Ginzburg, autora de As pequenas virtudes, “o silêncio ceifa vítimas todo dia. O silêncio é” uma doença mortal.”.

Carola Saavedra, em seu livro O mundo desdobrável, ensaios para depois do fim, diz que “escrever é dar nome ao silêncio. Mesmo quando ninguém quer ouvir.”.

Nesse sentido, a escrita acende uma luz quando encontramos nela um caminho para nos apresentar a nós mesmas e ao mundo. Através dela, esbarramos em nossos silêncios e ouvimos nossas vozes.

Hoje, minha escrita me apresenta ao mundo. Ela é o meu ofício e com ela me conheço, me ouço e me liberto de muitos silêncios.

Muito prazer, sou Viviane Lucas, escritora.

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Sou psicóloga, professora e escritora. Escrever é minha forma de interagir com o mundo, desde sempre. Publiquei Andarilha (2022) e Um lugar pra guardar imensidões (2023), ambos de poemas, pela Lura Editorial.  

 E Por outros olhos (2023), um livro para a infância, para gente pequena e grande. Participei também das antologias: Crônicas da Manhã e Onde canta o Sabiá, (Lura Editorial) e Amazônia (Selo Off Flip) e sopro minhas palavras no instagram @ contosdaluanova.

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Sou ilustradora e designer gráfica, nascida em João Pessoa e atualmente morando em Belo Horizonte. No meu trabalho, procuro representar a diversidade e o afeto nas relações femininas, através de uma estética vibrante e dinâmica. Atualmente trabalho como ilustradora de livros didáticos, e é possível encontrar meu trabalho em @inagouveia.

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