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Entrevista 

Débora Giangiarulo  I  por Fernanda Baroni e Laura Souza

O artista tem dois caminhos

 

Quando resolvemos fazer uma edição temática sobre silenciamento e censura, decidimos que o tema deveria romper a Literatura e retratar todos os espaços a que tivéssemos acesso. A produção cultural é um deles. Estávamos em uma das reuniões de pauta do Conselho quando esse assunto surgiu e a Laura Souza foi certeira: conheço uma pessoa perfeita para falar sobre isso!

Débora Giangiarulo é produtora cultural e nos seus 18 anos de estrada já transitou entre diversas linguagens. Com a propriedade de quem entende as nuances do mercado comercial e das leis de incentivo, ela não enxerga censura no momento atual, mas fala das faces do silenciamento: “O artista tem dois caminhos. Um é tentar se adequar, o que particularmente não acho muito interessante, porque ele perde a verdade da sua arte. O outro é insistir.” Nesta entrevista, Débora se demora mais no cenário musical, por ser casa e abrigo, mas sabemos que as questões permeiam todos os palcos.

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Foto: Daniel Barboza

Débora Giangiarulo é produtora cultural e nos seus 18 anos de estrada já transitou entre diversas linguagens. Com a propriedade de quem entende as nuances do mercado comercial e das leis de incentivo, ela não enxerga censura no momento atual, mas fala das faces do silenciamento nesta entrevista.

@deboragiangiarulo 

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Nos conte um pouco sobre sua trajetória profissional.

 

Sou produtora há 18 anos, formada em Administração de Empresas, pela UERJ. A arte, de maneira geral, e a música, principalmente, permeiam minha vida desde a infância. Sou de uma família de artistas, então, o teatro, os shows, os ensaios foram meu habitat natural. Cresci nesse meio e até toquei piano quando era mais nova, mas amava também a parte mais burocrática da vida. Por isso fui fazer Administração e encontrei na Produção Cultural uma forma de conciliar as duas paixões. Dentro de todas as linguagens artísticas, acabei me especializando mais em música, mas trabalhei muito com todos os tipos de projetos incentivados como turnês de teatro, grandes festivais e projetos educacionais voltados pra arte, em diversas linguagens.

Como você descreveria o cenário para quem tenta entrar hoje no mercado da música? Existe um status quo a ser seguido?

 

Estamos vivendo a era do streaming, das plataformas musicais, e o mercado coloca a velocidade de informações que a gente vive também na música. A gente quase não vê mais lançamentos de álbuns. O que temos são lançamentos de singles, músicas soltas, normalmente engessadas em dois minutos e meio, que já vêm com seus clipes prontos. É quase como se as pessoas não conseguissem mais ouvir a música sem ver uma imagem. E eu digo que o mercado coloca essa velocidade não só para que o artista produza nesse formato, mas também para o público que consome. Não saberia dizer se essa é uma vontade do público, que de fato quer consumir produtos com essas características, ou se é simplesmente uma questão do que é oferecido. Não dá pra saber onde começa e onde termina cada um.

Que obstáculos enfrenta o artista que decide tentar quebrar esse padrão comercial?

 

A questão de formatar modelos sempre existiu, mesmo antes do streaming. Há um padrão da mídia para tudo, mas sempre tem como contornar. Isso faz parte da história da música. Mesmo na época da ditadura militar, quando o padrão imposto era a Jovem Guarda, existia todo um contorno maravilhoso de obras que a gente tem até hoje. É claro que para quem já tem uma estrada, um nome, um público definido, fica muito mais fácil criar o que quiser. Mas tem uma galera nova que tá tentando furar a bolha. Esse ano teve um artista de São Paulo, o Jotapê, que lançou um álbum lindo, com muita verdade e está decolando. Se a gente pensar, ter um álbum inteiro lançado num streaming já pode ser considerado furar a bolha.


Você acha que o termo censura se aplica no contexto desses modelos exigidos?

 

Acho que censura não seria a palavra, mas a gente pode falar em silenciamento. Tem muita gente lançando coisas bacanas, que tá ali, às vezes até com gravadoras por trás, mas não consegue chegar. Está com os álbuns nas plataformas, mas não têm um reconhecimento merecido. O PC Castilho, que é um artista de Angra dos Reis, lançou por um selo internacional um trabalho lindíssimo, mas não teve muita repercussão. A Nilze Carvalho também. Atuei por oito anos com produção executiva de shows dela e realizei a produção fonográfica do CD Verde Amarelo Negro Anil, indicado ao Grammy Latino 2016, como melhor álbum de samba. Mas nem isso fez com que o trabalho chegasse ao grande público.

O streaming facilita a entrada e divulgação de artistas novos?

Facilita, sim. Antes existia todo um custo muito alto com produção e divulgação do disco. É claro que o custo de produzir em estúdio, com músicos, arranjos ainda existe, mas, antes, era necessário bancar uma tiragem mínima de álbuns de forma independente ou com uma gravadora disposta a fazer o investimento. A gravadora hoje não precisa mais produzir uma tiragem, e isso com certeza facilita. E tem o lado da divulgação. Antigamente era necessário colocar valores muito altos em assessoria de imprensa e rádio. Atualmente, a divulgação se dá muito pela internet. O profissional de mídias sociais passou a ter um peso tão grande quanto um assessor de imprensa tinha e isso

acontece com investimento mais barato para o artista.

Você acredita que isso é uma forma de democratizar a música?

 

Sim. Não precisar ir até uma loja e ter dinheiro para comprar um disco é uma forma de democratizar o acesso. Ainda que a divulgação dependa do quanto você tenha para investir, acho que hoje ainda é um gargalo menor. Na época das rádios era pior.

E existe um efeito rebote? Se um artista faz um trabalho em que acredita e não tem o retorno desejado, isso pode funcionar como uma espécie de silenciamento e incentivo para se render aos formatos pré-moldados?

 

O artista tem dois caminhos. Um é tentar se adequar, o que particularmente não acho muito interessante, porque ele perde a verdade da sua arte, mas é um caminho que ele pode escolher. E o outro é insistir. A gente tem uma escala muito grande de artistas. Desde superstars bombados até quem toca somente com voz e violão. Entre um e outro tem uma gama imensa. Às vezes, o artista já atingiu o seu público e passa a ter shows e viver da sua arte. Às vezes o público é nichado mesmo, e tá tudo bem.

Você considera o álbum Caju, da Liniker, um exemplo de quem está na contramão da história?

Acho que a Liniker foi super na contramão do mercado. Ela fez um álbum longo, que tem três músicas com mais de sete minutos. Até vi numa entrevista ela dizendo que tem coisas que precisam de mais de três minutos para serem contadas. E ela fez um álbum perfeito, se apropriou com muita maturidade do que queria dizer. O álbum tem um enredo, não são músicas soltas. Você consegue ouvir essa história sendo contada, e o retorno que ela teve é uma resposta explícita. Por mais que o mercado coloque regras, quando vem um trabalho como esse, fica claro que existe um público sedento por continuar ouvindo histórias.

Você citou o PC, a Nilze, o Jotapê e a Liniker. Todos artistas com características muito fortes e definidas. Você acha que bancar sua personalidade abre ou fecha portas?

 

Às vezes o trabalho do artista é nichado mesmo. Ele não se submete ao que o mercado quer para atingir a todos. Os casos do PC, da Nilze, da Liniker (mesmo com o estrondo) e do Jotapê vão muito por esse caminho. O público deles se interessa pela arte que eles produzem. Quem curtir, vai ficar. Quem não gostar, um abraço. Talvez sejam pessoas que estejam buscando outrascoisas, mas não são os artistas que vão se adequar.

A arte, como um espelho da sociedade, reflete os seus conflitos e as suas contradições. Neste mundo cada vez mais polarizado, é natural que seu papel, assim como da cultura e da música, passe pelo ato (talvez revolucionário) de resistir aos mecanismos de silenciamento.

Se, por um lado, a censura explícita pode parecer menos presente, por outro, as formas mais sutis de silenciamento se tornam cada vez mais sofisticadas. A entrevista da Débora é um convite pra gente acompanhar de perto a trajetória desses artistas que continuam a criar, a transformar e a desafiar o mundo.

A luta pela liberdade de expressão é um compromisso constante, e a produção cultural, em todas as suas formas, é o nosso campo de batalha. E sabemos que só existem dois caminhos.

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Sou graduada em Comunicação Social/ Publicidade, mas iniciei minha carreira como bibliotecária e logo segui para o mercado editorial, onde atuo desde 2010. Minhas experiências nas áreas de coordenação editorial, assessoria de imprensa, marketing, eventos, redes sociais, atendimento publicitário e produção de conteúdo me levaram a várias empresas, mas só agora estou vivenciando o sonho de ter a caneta nas mãos para expressar o que me inquieta.

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