cata vento
diários e imensidões
O exercício da (não) escrita
I por Erica Rabbeljee
Se as palavras entraram em greve que alguém tenha, ao menos, a delicadeza de me avisar.
Lá se vão mais de três dias que sou humilhada por palavras chinfrins, frases desconexas e metáforas baratas. O texto não engrena. Pane total.
A vontade de fechar o computador é tão atormentadora quanto o desejo de enfrentar o papel em branco. Estabeleci na minha mente uma queda de braço entre a palavra e eu, mas acumulo tentativas frustradas de vencê-la até o momento.
De onde mesmo tirei a ideia de que sou capaz de escrever? Em que momento atribuí à escrita essa dimensão do inatingível? Por que escrever não pode ser apenas juntar umas palavrinhas e pronto? Qual a necessidade de escrever algo revolucionário?
São muitos os questionamentos, mas dizem que os cronistas são, entre os escritores, os mais hábeis em lidar com esses duelos textuais (ou seria existenciais?). Recorro então àqueles cronistas com os quais compartilho grande afeto pela escrita da vida miúda. Releio-os na tentativa de encontrar algum reconforto, uma inspiração, uma pequena luz que seja. E nada.
Nada parece chegar até minha mente exausta, ao meu papel que insiste em permanecer em estado de rascunho. O efeito parece ser o contrário pois a angústia aumenta exponencialmente a cada texto bem servido em palavras e argumentos que esbarro pelo caminho.
Mas como é que se consegue essa fluidez na escrita? Como é possível tecer tantas palavras sem que haja um único nó? Então, não há dor? Nenhuma angústia existencial?
Porque, para mim, escrever dói. De uma dor doida daquelas que deixa o corpo em exaustão diante do papel em branco. Devo sofrer da síndrome de Bonnard - aquele pintor que repintava seus quadros infindavelmente. Escrevo uma única palavra, depois passo horas retocando significados, num exercício sem fim de reescrita. O problema está em mim, só pode. Não posso ser assim tão devota das palavras ao ponto de sacralizá-las e me prostar como vassala. Há de haver uma saída.
Digito no google: “como conseguir inspiração para escrever um texto genial?”. E as respostas são tão surpreendentes quanto da ordem do espiritual. Claro que se isolar num lugar afastado de qualquer vestígio de civilização pode até trazer alguma inspiração e nos render muitas páginas, mas acontece que a escrita também é trabalho braçal. E trabalhar um texto requer boa dose de paciência com as palavras.
Sendo assim, abandono este texto por completa incapacidade. E que fique registrado aqui que sou apenas uma guardadora de palavras.
Vivo povoada por seus sentidos e (quase sempre) silêncios.
Erica Rabbeljee
Sou mulher preta, mãe, imigrante. Da curiosidade pelas palavras, tornei-me Linguista. Me (re)encontro, todos os dias, na educação popular e no trabalho com/para as infâncias. Nasci carioca, mas meu corpo há anos é viajante. Gosto de trocar ideias sobre café, lugares e livros no meu perfil @erica_oazo.