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para ecoar

universos femininos

Quantas guardam silêncios?

Texto: Graziela Honorato 
Ilustração: Leila Fernanda Arruda

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Folheando uma revista em sala de espera, me deparei com a notícia de pesquisadores de Tel Aviv que descobriram que as plantas “falam”, emitem sons semelhantes a estalos. Como estouros de pipoca. Interessante é que os sons das plantas apresentam alterações quando elas são submetidas a algum tipo de estresse. Plantas desidratadas, feridas, pisoteadas, “vociferam” estalos mais intensos e frequentes. Como gritos no sofrimento.

Gritos que ressoam de um silêncio e que não escutamos, como se a natureza apostasse no nosso desprezo. Não somente as plantas são ignoradas pelos ouvidos humanos. A mesma natureza guarda mulheres que emudecem seu sofrimento. Esquecidas, censuradas, despetaladas como um malmequer contínuo, entre as quatro paredes da violência doméstica.

Olhemos ao redor. Ouçamos com atenção.

A violência doméstica e familiar contra a mulher (aquela prevista na Lei Maria da Penha - LMP) é violência perpetrada às escondidas, no espaço privado da unidade familiar, de uma relação íntima de afeto. Quase sempre uma situação de mais silêncios e vergonhas, do que reverberações.

Nossas amigas, vizinhas, colegas de trabalho. Quantas guardam silêncios?

Apanhava calada para que meu filho não escutasse.

Nunca contei para família para não preocupar meus pais idosos.

O juiz me mandou calar a boca quando questionei se ele não ia fazer nada enquanto meu agressor me ameaçava durante a audiência.

Maria* só se sentiu segura para fazer esses relatos do silenciamento imposto em anos de sofrimento e inúmeras agressões infligidas pelo marido, depois que pegou o filho de 5 anos e partiu, fugindo do agreste e de um casamento ameaçador, com iminente risco de morte.

Largou o emprego, não viu saída. Boletim de ocorrência parecia difícil. Exigiam duas testemunhas e ninguém se atrevia a depor. Mesmo assim ela arriscou. Queria viver. Fez exame de corpo delito e viu o marido ser condenado à prisão, anos após complicado processo. A ironia? A pena nunca foi executada. Prescreveu.

Durante o processo judicial, o órgão público para o qual trabalhava, já sensibilizado, apontou-lhe uma chefia em outra cidade, longe do marido agressor. A chefia seria uma saída para quem não podia mais aguardar uma remoção. Mas a situação ainda era instável. O novo cargo poderia se perder em eventual mudança de governo e ela, vítima, seria instada a retornar à cidadezinha do pesadelo inicial, sítio dominado pela família de seu algoz, que nunca foi preso.

Novo processo. Desta vez de índole administrativa, solicitando a remoção definitiva de ofício, para cidade diversa da lotação originária. O fundamento? A própria vulnerabilidade da vítima de violência doméstica, que nas intermitências de uma morte em vida, necessita de um plano de fuga “oficial” que a afaste do violador.

A Lei 8.112/90, que regula o funcionalismo público federal, não prevê a remoção para salvaguardar a vítima de violência doméstica. Fugir de uma situação aviltante e letal, neste caso, configuraria abandono de emprego.

Mas ela é uma mulher obstinada. Escolheu lutar.

Sem se prometer nada por completo, já que a completude humana é infalivelmente falha – como diria Melville – ela resistiu e insistiu até obter uma mudança em sua corporação; uma portaria que permite a remoção de mulheres de locais em que são ameaçadas para locais em que possam trabalhar em paz e segurança.

E ela, que o silêncio transformou em luta, hoje empresta voz a inúmeras outras mulheres. Juntas, buscam a evolução social e normativa que permita a todas a alteração do endereço do sofrimento para um lugar de liberdade sonora e vida – como estalos de plantas que se façam, finalmente, ouvir.

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Sou graduada em Letras e Direito, mestre em Administração Pública e procuradora da Fazenda Nacional. Faço parte do coletivo Tributos a Elas, disseminando informações sobre as conquistas e as lutas feministas nas áreas jurídica e de políticas públicas. Me aproximei da Literatura Infantil quando me tornei mãe da Catarina e agora estou aprofundando meus mergulhos na Oficina Literária da escritora Anna Cláudia Ramos.

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Gosto de saber que sou uma bordadora do pensar. Sou servidora pública e também escritora e contadora de histórias. Agora tenho me aventurado pelo mundo da ilustração. Faço parte do Coletivo Teia Literária Vozes desde a sua fundação e tenho textos nas antologias Ecos da resistência (2021), Cartas para o futuro (2022), Mulherio das Letras Portugal (2022) e Poetize (2022). Escrevo também sobre as autoras do coletivo e as teias que nos unem no perfil @teialiterariavozes.

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