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colecionando momentos

Entrevista Natália

I  Texto: Fernanda Godinho I Ilustração: Ina Gouveia

Setembrou

Temas sensíveis, histórias sofridas? Melhor evitar.​​

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Setembrar é um novo verbo que deixa os professores em pânico! O ano nem acabou, mas a agonia de se pensar no próximo período letivo já começa. O que no passado era um deleite para os amantes da Literatura infantil, agora virou quase um pesadelo: escolher livros de Literatura para as infâncias.

Oi? Mudou de nome?

Sim, agora é necessário pensar em muitos aspectos realmente importantes para os pequenos e para as infâncias de cada um de nós. Aspectos que a Literatura trata com muita leveza e delicadeza, enquanto nos coloca para pensar.

O problema é que muitas famílias não querem que seus filhos tenham uma visão de mundo abrangente e consideram determinados assuntos “perigosos”. Acham que devem blindar as crianças da própria vida.

Temas sensíveis, histórias sofridas? Melhor evitar.

Contos de arrepiar? Vão ficar com medo na hora de dormir.

Livros com crianças demonstrando amor? Não pode, é estímulo para namoro fora de hora, justificam. E criança não namora, é claro, mas as crianças sentem!

Como ler Fonchito e a Lua, de Mario Vargas Llosa, e não ficar encantado com o amor infantil entre Fonchito e sua Nereida? A Grande Fábrica de Palavras, de Agnès de Lestrade e Valeria Docampo, é outro livro que tem o amor como tema e é de uma delicadeza profunda, mas pode dar ideia, dizem.

Ideia de quê? Qual é o medo por trás disso tudo?

O que uma criança que vive na terceira década do século XXI deve ler?

Produção diversificada existe e sempre existiu. Temas como a diversidade de famílias, a homoafetividade, a morte, a violência sexual, o medo e a raiva são exemplos do que os autores estão escrevendo para as crianças e que encontram muitas barreiras para entrar nas escolas.

O livro Da Minha Janela, de Otávio Júnior, expõe, com cores, beleza e delicadeza, a vida na favela. As crianças que moram lá se sentirão incomodadas, como aponta quem desincentiva a leitura, ou representadas? E as que não moram?

Os Pombos e Aporofobia, de Blandina Franco e José Carlos Lollo, e Os Invisíveis, de Tino Freitas e Odilon Morais, trazem reflexões sobre pessoas marginalizadas e retratam a desigualdade social com nuances de horror. Afinal, para muitos é só uma questão de escolhas malfeitas.

Escolhas? Será que vivemos em uma sociedade igualitária? Será que enxergar isso realmente interessa? Ou é melhor cada um ficar na sua bolha alimentando o ódio e a indiferença?

O livro Tenho Medo do Monstro, escrito por Anna Claudia Ramos e ilustrado por Anielizabeth e Paulo Otero, trata com muita sutileza o abuso sexual infantil e deveria ser adotado nas escolas para dar voz a muitas crianças que sofrem com isso.

As críticas são muitas e são direcionadas também aos clássicos, apontados como violentos, com princesas passivas e príncipes bobos. A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen, morre no final. Argumentarão: isso não pode, é muito triste! Mas a morte é a única certeza que temos na vida e deveria ser tratada com mais naturalidade, nos instrumentalizando para lidarmos melhor com as nossas dores.

Os críticos não conseguem ver as diversas camadas dessas histórias?

Parece que grande parte da sociedade hoje não quer sentir! Prefere se anestesiar, viver em realidades virtuais, com pessoas que pensam como elas. Parece se esquecer que estar vivo gera movimento, gera incômodo e que vislumbrar beleza e sentido é o que faz valer a pena viver.

Para os professores fica a missão de distinguir o joio do trigo, tentando furar as barreiras para oferecer aos alunos uma Literatura de qualidade, que leve sempre a pensar, se emocionar e se colocar no lugar do outro.

Tomara que setembro volte a ser a época mais linda, que espalhe alegria e que os professores consigam escolher os livros com liberdade e entusiasmo para seus alunos.

Como dizia Beto Guedes em sua canção:
"Quando entrar setembro / E a boa nova andar nos campos."

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Sou mãe de três, escritora, professora e colecionadora de museus. Nasci no Rio, mas me sinto à vontade em qualquer lugar. Sou coautora da coleção A turma da Horta Viva (Ed.Zit) e participei da antologia Quantas Portas Cabem numa Porta (Ed. Casa do Lobo). Além de Literatura, amo a natureza e todas as formas de arte. Depois que me aposentei das salas de aula, comecei a trabalhar com formação de professores e tenho dedicado ainda mais meu olhar para registrar minhas andanças no perfil @portinhola.s

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Sou ilustradora e designer gráfica, nascida em João Pessoa e atualmente morando em Belo Horizonte. No meu trabalho, procuro representar a diversidade e o afeto nas relações femininas, através de uma estética vibrante e dinâmica. Atualmente trabalho como ilustradora de livros didáticos, e é possível encontrar meu trabalho em @inagouveia.

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