cata vento
diários e imensidões
Tem muita gente querendo (nos) ouvir
texto: Fernanda Baroni
ilustração: Lara Bordalo
Aprendi com Anna Claudia Ramos, autora e mestre querida, a sempre me questionar: por que e para quem eu escrevo? E esse é um daqueles ensinamentos que podem ser ajustados para caber em qualquer contexto. Não sou íntima da música. Não entendo de gêneros, nunca estudei um instrumento (apesar da vontade de tocar tamborim ainda me percorrer). Minha relação com letras e melodias é orgânica. Coisa de pele, de sentir arrepios e ter vontade de chorar, sair dançando ou não conseguir desmanchar o sorriso.
E desse lugar, de quem consome o que gosta e respeita o que não me faz vibrar, às vezes me pego questionando a opção de repertório de alguns cantores. Feio isso. Eu, que defendo o prazer da livre escolha, que nem ligo pro que é cartesiano. Na maioria das vezes, esse estranhamento vem de uma falsa intimidade. Como pode fulana, tantas vezes minha confidente, fazer parceria com um sei lá quem que nunca me dirigiu uma nota? Como pode beltrano (logo ele!), que me ensinou sobre amor e outras coisas, resolver cantar algo tão nada a ver com as nossas conversas?
Como a amiga que se sente no direito de se meter, mesmo sem ser chamada, questiono se essas escolhas foram tão livres assim. O quanto de comercial teria ali? O quanto de medo? De vontade de se ajustar, de romper o silenciamento e ser ouvido (nesse caso, literalmente!)? Escolho acreditar no que me parece e sigo lamentando a quebra de confiança.
Dito isso, pulamos para o dia em que li as primeiras palavras sobre o álbum Caju, da Liniker. A expectativa grande, todo mundo falando um monte. Lembro da manchete “seis milhões de reproduções em menos de 24 horas”. Vibro por ela e torço para não ser um dos casos em que vou lamentar alguma “decisão estratégica” pela audiência. A Liniker não faria isso comigo. Entro na plataforma e, de cara, bato o olho nas três músicas com mais de sete minutos. Primeiro ponto pra Liniker, quebrando paradigmas ainda antes de iniciarmos nossa conversa.
Passo o olho nas faixas e vejo que ela convidou pra festa só gente como a gente: Lulu, Baiana System, Anavitória, Pablo Vittar. Todos, meus amigos. Ufa! Segundo ponto pra Liniker e eu ainda nem tinha dado o play. Nesse ponto, até os menos ansiosos já estariam perguntando porque eu não clicava na bendita seta para tocar alguma das 14 faixas do álbum. Mas eu estava curtindo aquela brincadeira de desvendar detalhes, antes do show começar. Clico em Tudo: “Se eu for imensa pra você, sinto muito!” Ah, ela estourou o placar e o meu coração. Passo para Veludo Marrom. O instrumental começa e me derrete. “Hoje, quem me ligar, digo que tô/nas nuvens de um poeta ou algo assim/ torcendo pra não ser mentira.” Não é mentira, amiga! Você – grandona!
Caju, com apenas uma faixa menor do que os famigerados três minutos da indústria, se tornou o álbum mais ouvido no país, em uma semana. Enquanto as músicas tocam em looping, volto a lembrar da pergunta “por que e para quem eu escrevo?” Fico feliz de o (meu) mundo ter pessoas que provam que a opção por seguir um caminho verdadeiro – de habitar a própria pele, dar sentido à nossa voz –funciona.
Lembro de uma fala da Liniker, em entrevista: “Estão respeitando o tempo da música”. Sorrio, fincando meus pés no chão. O tempo é meu e é seu. Não é da indústria.
Tem muita gente querendo (nos) ouvir. Não venham me dizer que não!
Olá :) Sou Lara Bordalo, ilustradora, carioca não-praticante e paulista de coração. Nasci para contar histórias, fiz isso através da música e do design antes de encontrar a ilustração infantil. Sou apaixonada por desenvolver narrativas visuais, busco despertar memórias, sensações ou emoções enquanto exploro texturas, formas e técnicas. Sei que não vou mudar o mundo, mas as histórias que contaremos vão. Me siga no @larabordalo para que eu também possa conhecer você um pouquinho.