cata vento
diários e imensidões
Uma aprendiz na FLIP
I por Leila Fernanda Arruda
Cheguei no Rio de Janeiro em 21 de novembro, para a Festa Literária Internacional de Paraty - FLIP. O dia começou bonito, um sol para cada
um. Casas temáticas, as ruas travestidas
de alegria, um vai e vem de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo. Cores, poesia e memórias se misturavam nos casarios e
sobrados da cidade. Janelas vibrantes em tons de azul e amarelo revelavam personagens instigantes.
Lá estava eu, mergulhada no maior evento literário do continente, cenário de artistas, escritores reconhecidos, independentes, iniciantes, leitores e curiosos. Senti um frenesi e um misto de ansiedade e encantamento.
Poemas estampados nas paredes, versos e prosas recitados em alto falante, rostos apreensivos à procura de palestras, filas e mais filas para mesas e rodas de conversa.
Como boa pernambucana que sou, a alegria invadiu meu peito quando me vi abraçada por escritores de minha terra. Mais contagiada ainda fiquei ao ver cordelistas entoando cantigas e disseminando sabedoria popular.
Editoras e livrarias se faziam presentes
com vendas e divulgação de livros dos homenageados e dos escritores mais populares. Mas tinha lugar também para acolher e divulgar escritores independentes, como a Casa Gueto, Casa Queer e o Selo Off-flip. Neste último, estive como uma das autoras da Antologia Nordeste, com um conto que teve como tema Memória fotográfica.
Gostei muito da programação da Casa
Libre-Graviola Digital, Liga Brasileira
de Editoras. Lá conheci de perto minha professora de ilustração, Anabella López, e participei de debates sobre assuntos fraturantes na Literatura Infantil, que me fizeram refletir. Uma frase de Anabella
me marcou: “ Precisamos buscar nosso próprio tom”.
Durante a programação, tive a oportunidade de escutar sobre outros temas sensíveis e fui me deixando povoar por palavras que pareciam estar sendo ditas para mim.
“Eu escrevo poesia porque sou poeta, não porque sou preto”, disse Paulo Sabino.
“É preciso sair do lugar da certeza para o lugar da incerteza”, instigou Conceição Evaristo, com singeleza na voz.
Conceição, aliás, foi, sozinha, um evento. Sua chegada foi digna de uma rainha majestosa. Ainda ouço os aplausos e seu conselho: “A literatura deveria ser direito de todos.” Comprei seu livro Canção Para Ninar Menino Grande, que, segundo Jeferson Tenório, autor da quarta capa, “é um mergulho na poética da escrevivência e, ao mesmo tempo, um tributo ao amor sob uma ótica poucas vezes vista na literatura brasileira”.
Para encerrar com chave de ouro
minha participação na FLIP (certamente
a primeira de muitas outras!) tive a oportunidade de ouvir os escritores
Glicéria Tupinambá e Itamar Vieira Júnior.
Ela, com uma oralidade irretocável e simples, trouxe temas caros à humanidade, como ancestralidade e identidade: “Os rituais
nos salvam, assim como os sonhos.”
Já Itamar lembrou que o trabalho solitário do escritor carrega uma história, que tem como destino o corpo do leitor. “O fazer literário tem um sentido coletivo, no observar e no testemunho.”
Voltei para casa mais leve. A literatura tem esse poder de preencher e de fazer flutuar.
Leila Fernanda Arruda
Gosto de saber que sou uma bordadora do pensar. Sou servidora pública e também escritora e contadora de histórias. Agora tenho me aventurado pelo mundo da ilustração. Faço parte do Coletivo Teia Literária Vozes desde a sua fundação e tenho textos nas antologias: Ecos da resistência (2021), Cartas para o futuro (2022), Mulherio das Letras Portugal (2022) e Poetize (2022). Escrevo também sobre as autoras do coletivo e as teias que nos unem no perfil @teialiterariavozes.