cata vento
diários e imensidões
Uma escritora na ilustração
I por Leila Fernanda Arruda
Até os 35 anos, nunca havia tocado em um material de pintura. Minha criatividade sempre fluiu em palavras, poesias e contos. Num período em que estava buscando novas formas de conexão com o mundo, me inscrevi em um curso de aquarela.
Fiquei encantada – ilustração digital, aquarela, pintura acrílica, a óleo, desenho realista e abstrato. As aulas com o professor Sérgio Gomes, no Grifo Studio, em Recife, foram ficando mais frequentes. Minha admiração aumentava, mas continuava me sentindo muito limitada.
A verdade é que eu tinha uma dificuldade enorme (de iniciante?). Nas aulas, tentava encontrar meus traços. Apagava. Refazia. Apagava. Só depois da ajuda do professor com o desenho, me permitia arriscar umas cores com o pincel.
Por muito tempo, só consegui pintar nas aulas presenciais. Pouco praticava em casa. Era como se minha mente se recusasse a passear por novas formas de expressão sem supervisão. Autossabotagem ou procrastinação? Ao mesmo tempo, uma espécie de mantra ecoava em mim: “O processo criativo pode ter diversos caminhos. Você não precisa ter pressa.”
Até que uma pergunta foi ganhando força na minha cabeça: será que eu conseguiria ilustrar meu próprio livro?
Em 2021, comecei a paquerar o perfil e o site da Usina de Imagens, que umas amigas haviam recomendado. Fiquei apaixonada pela proposta das mestras Rosinha e Anabella Lopez, duas grandes ilustradoras, que eu já acompanhava fazia tempo. Fiz a inscrição para o módulo online de Linguagem Gráfica. Desisti. Não consegui acompanhar.
No segundo semestre de 2022, insisti. Dessa vez com o módulo de Morfologia. A cada aula, um novo aprendizado: técnicas de colagem, contrastes e formas... pela primeira vez, me senti mais próxima da linguagem artística.
Em 2023, o módulo de Personagens me deixou ainda mais encantada. As mestras nos instigavam a criar personagens com sentimentos, caminhos e características próprias. A vontade era grande, as ideias borbulhavam, mas eu ainda esbarrava em alguns percalços para iniciar. Apesar da dificuldade, dessa vez sentia como se uma fresta de luz me conectasse ao novo, ao intuitivo, ao meu processo criativo.
Ao final do módulo, a turma foi desafiada a fazer um livro sanfonado. Algumas ideias, memórias afetivas e inconscientes vieram à tona. Desse exercício, surgiu meu primeiro personagem autoral, feito com caneta nanquim e colagem. Que felicidade! Minha primeira narrativa criada sem palavras: Se essa rua fosse minha.
No exercício seguinte, oito personagens (!) para ilustrar vidas que se cruzaram em um ônibus a caminho de casa, do trabalho, do hospital, da escola. Batizei meu livro de imagens artesanal com o título Histórias.
O terceiro desafio veio na forma de um concurso promovido pela Usina de Imagens. A proposta consistia em criar ilustrações com temas específicos (comida, mar, orquídea, emoção e São João, nesta ordem), que, em sequência, fizessem sentido. A coragem de compartilhar o resultado com minha rede de amigas gerou uma certeza: A história não era somente minha. Se multiplicava em enredos criados por cada pessoa que “lia” as imagens que eu criei.
Lá se vão quatro anos nessa busca da ilustradora que me habita. A arte é um presente. Me faz presente e me traz humanidade. O desejo de publicar um livro escrito e ilustrado por mim permanece. Agora com a confiança de que o processo de criação tem um tempo próprio. O meu está amadurecendo. Aposto que o seu também.
Gosto de saber que sou uma bordadora do pensar. Sou servidora pública e também escritora e contadora de histórias. Agora tenho me aventurado pelo mundo da ilustração. Faço parte do Coletivo Teia Literária Vozes desde a sua fundação e tenho textos nas antologias: Ecos da resistência (2021), Cartas para o futuro (2022), Mulherio das Letras Portugal (2022) e Poetize (2022). Escrevo também sobre as autoras do coletivo e as teias que nos unem no perfil @teialiterariavozes.