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diálogos com quem faz
Entrevista
Alto até o céu
Livro de Natália Fonseca e Rogério Neves tem cheiro de infância
– Mãe, me balança bem alto?
– Bem alto quanto?
– Até o céu!
Alto até o céu é daqueles livros que são produzidos pensando nas crianças, mas que fazem conexão direta com leitores de todas as idades. Cada detalhe respeita e valoriza os universos infantis, e toca de um jeito especial todo mundo que ainda mantém viva sua criança aventureira, independente da idade biológica. Escrito por Natália Fonseca e ilustrado por Rogério Neves, o livro foi lançado em outubro pela Saíra Editorial e está à venda no site da editora.
Conversando com os autores é fácil perceber a fluidez que faz com que as narrativas textual e visual se complementem de forma tão rica. A liga entre os dois é quase palpável, mesmo antes deles começarem a falar sobre o processo que uniu a escritora mineira que vive no Canadá ao ilustrador paulistano.
“Enviei a história por e-mail para três editoras e a Saíra me respondeu dizendo que queria publicar. Fiquei muito feliz! Quando falamos sobre o contrato, eles se mostraram abertos a receber indicações de ilustradores. Conversando com o Jonathas Martins, que ilustrou a coletânea Quantas portas cabem numa porta? (Ed. Casa do Lobo, 2022), da qual faço parte, ele me sugeriu o Rogério. Fiz o contato. Ele adorou o texto e eu amei as ilustrações dele em aquarela. Achei que tinham tudo a ver com a história. Mandei a dica para a editora e eles gostaram demais.”, lembra Natália.
Rogério reforça que o vínculo entre os dois foi instantâneo. “Tive uma conexão imediata com a história e com a Natália. O livro ilustrado é uma imaginação compartilhada. O autor me dá um ponto de partida e vou complementando. Gosto muito de textos como o da Natália, que deixam lacunas para o ilustrador preencher.”
I por Fernanda Baroni
Das trocas que deram vida a essa história – que nos leva até o céu da pequena aventureira que só precisa de um balanço para passar ao lado de foguetes e meteoros, chegar até a lua e ficar cara a cara com um dragão – nasceu uma amizade que é alimentada em longas conversas sobre literatura, descobertas e trabalhos novos.
Nas entrevistas a seguir você vai conhecer um pouco mais da Natália e do Rogério e do processo de criação de cada um deles. Com sorte, no final, vai até escutar uma voz doce te perguntando: “ E aí? Chegou até o céu?
Natália Fonseca é aquela típica mineirinha. Voz doce, conversa boa, olhar atento e sem pressa. Nasceu em Uberlândia, mas, há dois anos, vive com a família em Vancouver, no Canadá. Tradutora, revisora e professora de inglês, ela conta que se aproximou da Literatura Infantil quando engravidou de Cora, sua primeira filha, em 2014. De lá pra cá, a leitora voraz e escritora de diários na adolescência investiu nos estudos e em uma biblioteca de dar inveja a muita instituição, antes de considerar a hipótese de se tornar escritora.
“Comecei a me interessar pelo processo. Queria saber quem escrevia, quem ilustrava, qual era o perfil das editoras. Em 2021 vi o anúncio de uma Oficina Literária com a autora Anna Claudia Ramos e me inscrevi. As trocas criativas que acontecem nas aulas foram gerando ideias para boas histórias.”
A bagagem adquirida nessa imersão foi um dínamo para acender a crença de que a menina que queria ser escritora ainda estava ali. Depois de um conto infantil numa antologia, no ano passado, Natália celebra agora o lançamento de seu livro solo de estreia. Alto até o céu é seu passaporte para o seleto grupo de escritores que sabem falar com e sobre as infâncias com todo o respeito, sensibilidade e profundidade que os pequenos leitores merecem.
Natália Fonseca
@oquelemoshoje
“A história veio de uma experiência com a Clarice, minha filha mais nova, que adorava ir pro parquinho e pedir para balançar bem alto. E ela ficava brincando de trazer coisas lá do céu pra mim. Eu achava tudo muito mágico e pensava que ia ser muito legal se tivesse um livro assim..."
Este é o seu primeiro livro. Como surgiu a história?
A história veio de uma experiência com a Clarice, minha filha mais nova, que adorava ir pro parquinho e pedir para balançar bem alto. E ela ficava brincando de trazer coisas lá do céu pra mim. Eu achava tudo muito mágico e pensava que ia ser muito legal se tivesse um livro assim... Então, resolvi colocar no papel. Já estava com a história quase pronta, quando tivemos um exercício na Oficina com um tema que fazia conexão. Foi a deixa para eu terminar de escrever e mostrar ao grupo. A história foi super bem recebida pelas outras alunas e a professora disse que, com poucos de ajustes, estaria pronta para mandar para editoras. Isso me despertou a vontade de saber como seria esse processo...
Muitos autores se baseiam em experiências pessoais para escrever textos infantis. Você acha que toda história tem um tom autobiográfico?
A literatura está atrelada ao que a gente vive, mas não está condicionada a isso. Todo o nosso repertório – de literatura, de arte, de vida – faz parte de quem somos e, quando a gente escreve, de alguma forma, tudo está presente. Ainda que você não fale de uma situação específica, não tem como ignorar completamente a vida quando está escrevendo. Eu sou feita de experiências que fazem parte de mim e podem servir de inspiração para iniciar algumas histórias. Mas um texto literário não é um relato. Não funciona simplesmente narrar um fato que aconteceu.
Para quem você escreve?
Sempre escrevi pra mim e, até bem pouco tempo, não tinha a pretensão de mostrar pra ninguém, ou de publicar. Mas se eu for pensar, agora, no sentido de a quem eu gostaria que meus escritos chegassem eu diria que gosto de brincar com as palavras nesse universo que envolva as crianças. Mas a gente não precisa excluir os adultos. Eles podem estar nos mundos das crianças.
Qual seu maior medo como escritora?
Acho que quando sai um livro, existe um medo intrínseco de ninguém ligar, da história não chegar até as pessoas. Acho que não é só um medo, é uma possibilidade. É o tipo de coisa que a gente pensa, e tem que lidar, de alguma forma. Mas medo mesmo, acho que é de não escrever. Por mais que a escrita não seja um processo fácil, diria que algumas vezes é até um pouco penoso, escrever faz parte da gente de um jeito que é difícil de explicar para quem não escreve. Faria diferença pro mundo se eu não escrevesse? Talvez não. Mas seria muito ruim, como se faltasse uma parte de mim.
E seu maior sonho?
Nesse momento de lançamento, pessoalmente, o sonho é que eu consiga publicar outras histórias, que os livros ganhem o mundo, que as pessoas gostem, se sintam tocadas. De uma forma mais geral, envolvendo a literatura e as crianças, meu sonho é que a Literatura Infantil e Juvenil receba mais respeito, atenção, cuidado. Que muitos livros muito bons cheguem para as crianças e para as famílias. Que não sejam vistos somente como instrumentos para ensinar conceitos e lições.
Você tem autores que são referências para sua escrita?
Isso é tão difícil de responder... A cada momento, sou tocada por pessoas diferentes. Mas alguns autores são referências para vida. Focando em quem escreve para a infância e partindo do parâmetro de autores que me impactaram muito na primeira leitura, que me deixaram arrebatada, citaria primeiro a Anna Claudia Ramos, não só pela escrita e a forma com que ela enxerga as crianças e o processo das infâncias, mas por sua generosidade de compartilhar... Acho que pensaria também no Bartolomeu Campos de Queirós, no Maurice Sendak, no Oliver Jeffers, no André Neves, na Komako Sakai, na Erin E. Stead, na Isabel Minhós Martins. A lista não acaba...
O que você diria para quem tem uma história pronta na gaveta?
Todo mundo aconselha: procura um lugar para publicar, mete a cara, vai... e é isso mesmo, se é o desejo da pessoa. Mas, antes disso, acho que vale mostrar o texto e trocar ideia com pessoas em quem você confie, que, de preferência, também tenham ligação com a literatura. Essa troca enriquece muito nosso repertório e, mais do que isso, nos fortalece para trilhar esse caminho. Então, se tem um texto na gaveta, querendo jogar pro mundo, maravilha. Mas, antes de ir pro mundo inteiro, encontre o seu mundinho.
A ilustração sempre esteve pertinho de Rogério Neves. Mesmo durante os 15 anos em que sua atividade principal foi o design gráfico, pincéis e tintas faziam parte do seu dia a dia. “Até bem pouco tempo, a maior parte da minha vivência profissional vinha da formação em desenho industrial. Trabalhei como designer gráfico e diretor de arte em agências, desde que saí da faculdade. Tinha tido algumas experiências com ilustração editorial e, em 2021, resolvi tentar novamente. Fiz um curso, mergulhei na aquarela e aqui estou, fazendo um livro atrás do outro.”
E não é força de expressão. Nos últimos dois anos, Rogério ilustrou 15 livros. Entre eles está Alto até o céu. A narrativa visual, além de belíssima!, é tão consistente que renderia até um livro-imagem. Mas a soma com o texto sensível da Natália Fonseca entrega um livro mais que especial para os leitores. Sorte a nossa!
Você segue um processo para ilustrar um livro?
Meu processo não é único, depende muito da história, da forma como me conecto com ela. Mas sempre tem começo, meio e fim. Para que eu não me perca no processo criativo, delimito alguns espaços de tempo. Quando recebo a encomenda de um trabalho, faço um cronograma reverso, para saber quanto tempo tenho para cada etapa. Começo pela leitura do texto para extrair a narrativa visual. Faço um esboço de toda a história e apresento para a editora. Só depois de aprovado, começo o processo de pintura.
Você desenvolve primeiro os personagens ou o ambiente onde se passa a história?
Depende do livro. No geral, apresento a narrativa completa, mas em alguns (normalmente para livros seriados, com mais de um volume), o estudo do personagem vem primeiro. O início do processo é sempre mais livre. Faço à mão estudos soltos de personagens, de construção de enredo, paleta de cor, composição. Quando o livro começa a aparecer, desenvolvo as cenas no formato digital e apresento para a editora.
Quanto tempo leva para ilustrar um livro infantil?
No geral, de 3 a 4 meses. Parece muito, mas é muito pouco. Em alguns momentos até desesperador. No meu caso, que opto sempre pelo trabalho manual, tem uma série de desafios no desenvolvimento do processo do livro que pouca gente conhece. Depois de ter a narrativa visual aprovada pela editora, imprimo e passo para a folha de aquarela. Pinto tudo à mão, escaneio e volto para o digital, para dar o tratamento final. É bastante trabalho pra pouco tempo.
É normal existir uma interação com o autor do texto ou a ilustração acontece em paralelo?
Acho que depende do porte da editora. Eu sempre peço pra falar com o autor, para saber como surgiu a história, conhecer mais o universo que ele criou. Nas editoras grandes, muitas vezes, essa conversa não acontece durante o processo, só depois. Mas acho que em 90% dos meus trabalhos eu tive contato com o autor. Quando isso não acontece, a gente fica meio no escuro. Na minha opinião, os autores de texto e imagem precisam estar muito conectados.
Qual a relação contratual do ilustrador com a editora?
Não dá pra ser ferro e fogo, num mercado que as coisas ainda são muito difíceis. Mas sempre prefiro fechar incluindo direito autoral. Aprendi que é a aposentadoria do ilustrador.
Como foi a criação de Alto até o céu?
Para o Alto até o Céu fiz vários estudos da personagem. O fato dela ser negra foi uma solicitação da editora. A partir daí busquei elementos para essa menina que tivessem relação com a história que a Natalia construiu. No texto, a Natália não descreve as características físicas e nem psicológicas da personagem. Mas a história nos entrega uma criança esperta, super criativa, destemida, com uma imaginação sem limites. Considerando esse perfil, consegui imprimir características visuais a ela: achei que ela deveria ter um visual mais moderno, cabelinho de pompom, camisa colorida... Com isso em mente, me conectei com a história e comecei a criar o universo que a Natália descreve no texto.
Como está a expectativa em relação à receptividade do livro?
Tá lá no alto! Recentemente, em função do lançamento de outro livro, fui conversar com as crianças e foi bom demais! Elas fazem comentários espetaculares. Alto até o céu é um livro cheio de camadas. Muito bom para os professores explorarem nas escolas. É a cara da Educação Infantil e espero estar perto das crianças com ele em breve.