cata vento

Eu reli Conceição Evaristo como quem  há muito tempo sentia fome.

 

Era o tempo dedicado às palavras que me faltava. A ausência desse alimento sólido, que é pra mim a leitura de mulheres negras, foi secando algo aqui dentro até ficar um vazio; espaço oco, terra rachada.

 

Como se a escrita dessas mulheres sustentasse a minha caminhada.

 

E sim, sustentam.

 

À medida que me distancio dessas vozes ancestrais, o que sobra é o automatismo dos dias que seguem um após o outro. Com momentos de descobertas literárias felizes, é claro, mas logo uma angústia sem resposta parece voltar.

...

E por que a literatura de mulheres negras me toca tanto?

Não existe o negro único, eu sei. No entanto, seriam nossas dores e urgências as mesmas?

...

Ao ler histórias como as de Bica, Estrelinda, Duzu-Querença, Salinda, Lumbiá, eu reconheço as minhas próprias vivências. Para mim, elas não são apenas personagens da ficção, eu já as vi. Todas.

 

Não leio autoras negras apenas para encontrar nas páginas de um livro o reflexo do meu corpo igualmente negro. Leio para transformar os silêncios a que me submeteram em linguagem, em ação, em esperança.

 

Quando virei a última página de Olhos d’agua, senti como se a vida estivesse novamente agitando minhas entranhas, movendo minhas articulações.

Continuaremos a existir.