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Foto do escritorDayane Teixeira

A importância de Amadou Hampâté Bâ para o pensamento afrodiaspórico

Conhecido como "mestre da palavra", Amadou Hampâté Bâ nasceu em Bandiagara, no Mali, em (aproximadamente) 1900. A sua atuação e esforços para coletar e registrar toda sorte de histórias, lendas, contos, provérbios etc., com o intuito de valorizar e divulgar as culturas do continente africano, lhe rendeu o título de "mestre da palavra", ou "mestre da transmissão oral". Um desses escritos, sua autobiografia Amkoullel, o menino fula, publicada no Brasil em 2003, tornou-se umas das obras-referência quando pensamos nos estudos sobre África, dada a sua amplitude e profundidade.



Tradicionalista, professor, etnólogo, escritor, historiador e filósofo, foi e continua sendo, como dito antes, uma das maiores referências no quesito Estudos Africanos/Tradição Oral, tendo reconhecimento e destaque no meio intelectual, e citado, muitas vezes, como um dos expoentes dos movimentos Pan-Africanista e da Negritude, juntamente com outros literatos como, Leopold Sedar Senghor, Birago, Alioune e Cheikh Anta Diop, Cheikh Hamidou Kane e Camara Laye.


Hampâté foi iniciado nas tradições africanas, frequentou a escola corânica[1] e também a escola colonial francesa. Depois de concluir os estudos, ingressou na Universidade da Sorbonne (França), assim como boa parte da elite intelectual africana de sua geração.  Por ter uma formação tão plural, discorreu facilmente sobre as culturas tradicionais africana, islâmica e europeia; não se deixando influenciar pela ideologia e valores disseminados pelo ideário euro centrado. Desta forma, apresentou uma África complexa, de tradição milenar, mas que, assim como o resto do mundo, se articula e dialoga com fatores e realidades internas e externas.



Em “Tradição Viva”, “A noção de pessoa na África” e “Amkoullel: o menino fula”, um dos poucos textos que podemos achar em português, observamos um homem e estudioso que fala de África em primeira pessoa, como protagonista, colocando em xeque a narrativa colonial que descreve uma África sem história, sem erudição, sem valores e cultura.


Segundo ele, é impossível penetrar na História africana, sem levar em consideração a TRADIÇÃO ORAL, que é a herança de conhecimentos vários, transmitidos de boca a ouvido, de mestre a discípulo, ao longo de séculos e séculos. A ORALIDADE é o nexo que norteia o SER africano. Tendo em mente que o pensamento afro-diaspórico provém da Diáspora Africana, e que nesse movimento o Brasil foi um dos países que mais recebeu africanos nesse processo de imigração forçada, se faz necessário enfatizar que essas pessoas trouxeram consigo o pensamento, a filosofia e o conhecimento adquiridos através da oralidade. Como diz o professor Petrônio Domingues, a diáspora negra não foi apenas um deslocamento sem desdobramentos, visto que, produziu interlocuções e epistemologias. Essa oralidade vinda com nossos ancestrais é a fonte para entendermos os aspectos das ciências, da origem, do modo de transmissão dos saberes, presentes até hoje na intelectualidade negra brasileira.


Portanto, conhecer o trabalho de pensadores como Hampâté Bâ nos possibilita compreender valores e saberes presentes (também) na cultura brasileira, indo contra o que nos diz a biblioteca colonial[2] por meio de conceitos, ideias, definições e epistemologias que visavam/visam deformar e silenciar a práxis do sujeito negro, além de se colocar em prática a lei 11.645, que reforça a obrigatoriedade do ensino da História das culturas Africana, Afro-brasileira e Indígena nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio.





[1] A escola corânica é pautada no ensino do Alcorão e seus princípios, ou seja, tem como foco a transmissão dos valores e rituais do Islã; centrada na ideia de submissão a Deus, ao professor (marabu), aos pais, aos mais velhos, bem como aos interesses da comunidade.

[2] O conceito de biblioteca colonial criado pelo filósofo congolês V. Y. Mudimbe, que consiste num acervo intelectual e literário que formulou a ideia de África no mundo ocidental.





Dayane Teixeira

Sou mulher cearense tentando resgatar meus laços ancestrais, formada em Letras, atuante na área de museus, membro do Coletivo Tradição Viva, pesquisadora independente de Literatura Africana, Negro-brasileira e Indígena brasileira, idealizadora da página literária @sy_jigeen e também autora do livro de poesias Corpo-concha.

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