14ª edição da Festa Literária das Periferias homenageia Beatriz Nascimento
A Flup – Festa Literária das Periferias encerrou a sua 14ª edição com uma programação composta por 90% de mulheres negras, sob o tema “Roda a saia, gira a vida”. Entre 11 e 17 de novembro o Circo Voador recebeu debates, mesas literárias, performances e shows numa jornada que abriu caminhos para que livros, ideias e experiências literárias chegassem mais longe. Além das atrações no Circo, a Flup promoveu atividades como slams, lançamentos de livros, saraus e exibições de filmes na Casa de Luzia, na Lapa, a Casa dos Processos Formativos da Flup + Malê.
Entre uma diversidade incrível de propostas, a programação contou com um sarau para reverenciar o legado ancestral de Beatriz Nascimento, quilombola, historiadora, professora, poeta e ativista, que fez da palavra sua maior ferramenta de revolução. Na mesa de lançamento, o sarau reuniu Conceição Evaristo, Esmeralda Ribeiro e a MC Andrea Bak alternando poesias autorais com textos da homenageada.
Conceição Evaristo compartilhou com o público lembranças vividas com Beatriz Nascimento, entre as quais o poema A NOITE NÃO ADORMECE NOS OLHOS DAS MULHERES, escrito em memória à amiga homenageada e publicado no volume 19 da antologia Cadernos Negros.
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.
A noite não adormecenos
olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.
A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede.
A jornalista, escritora e ativista Esmeralda Ribeiro também emocionou com leituras de textos de Beatriz Nascimento, entre eles, QUERO ESCREVER UM CONTO, de 1984.
Quero escrever um conto. Pode ser um conto-de-fadas, um conto-do-vigário, um conto erótico.
Quero escrever um conto, um conto de amor e de vida.
Quero dizer de felicidades. Alguma coisa que seja ela mesma.
Assim como um sentido em atuação: ouvidos, olhos e bocas.
Quero escrever um conto de amor.
Um conto verdadeiro, com eletricidade de ser.
Quero um conto, um canto, um ponto na trajetória do devenir.
Para um futuro mais belo.
Futuro que vislumbro na cor dourada do sol da janela dos Arquivos
Arquivo casa onde eu morei e que em mim mora.
Quero escrever um conto ao silêncio dos documentos.
A Flup foi declarada patrimônio cultural imaterial pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 2023. Nesta edição, apresentada pelo Ministério da Cultura e Shell, o espaço do Circo Voador se transformou no quilombo urbano da Lapa recebendo vozes nacionais e internacionais, representantes de periferias regionais, climáticas, raciais, étnicas e de gênero, além da exposição fotográfica “João Cândido, um Herói Nacional”, uma livraria com catálogo variado a preços acessíveis e atrações musicais no palco Ori Música.
Ano que vem tem mais e Conceição Evaristo já aceitou o convite para ser a homenageada da Flup 2025, feito durante a entrega do prêmio Ecio Salles
Fernanda Baroni e Bárbara Anaissi são jornalistas e editoras da Revista Letra Miúda e acompanharam as atrações de lançamento, no primeiro dia da Flup.
Comments